Chegamos ao quarto dia de Cannes. Um dia muito interessante, com a primeira estreia francesa em competição que resultou em muitos aplausos para Marion Cotillard, e um curioso filme sobre um assassinato que envolve os líderes religiosos do Egito.
"BOY FROM HEAVEN"
Tarik Saleh faz a sua estreia em Cannes. Seu filme de maior sucesso até então era "The Nile Hilton Incident", premiado em Sundance, que o fez ser banido do Egito. Aliás, o diretor ainda não pode pisar no país, com o risco de ser preso. Sendo assim, esse filme foi gravado em partes na Turquia. Mas, mais uma vez, o Egito não deve ficar feliz.
Em "Boy From Heaven", no primeiro dia de volta após as férias de verão, o grande imã desmaia e morre na frente de seus alunos em uma universidade de prestígio no Cairo. Nesse ponto o longa se torna um thriller sobre a investigação dessa morte. O filme entra na discussão sobre corrupção dentro das grandes organizações religiosas, ao mesmo tempo em que mostra o ponto de vista de um jovem que acabou de chegar na universidade. O filme teve críticas realmente boas, e muito já se fala sobre as chances enormes de sair com algum prêmio do Festival, principalmente para o ator Fares Fares. "Boy From Heaven" nos lembra porque Cannes é tão bom! Há muita coisa acontecendo ao mesmo tempo na história, que foi escrita por Saleh, e nem sempre é fácil acompanhar as inúmeras intrigas do palácio – sem mencionar as lutas de poder entre Ibrahim e seu chefe na Segurança do Estado, Sobhy (Younes Medhat), que tem uma agenda própria. Hoje em dia, um projeto como Boy From Heaven provavelmente seria transformado em uma série ou minissérie, e embora seja bom ver um thriller ambicioso como esse feito como um recurso regular, talvez haja muito recheado em duas horas de ação para tornar tudo palpável. As instituições religiosas e seculares do Egito geram desconfiança no pesadelo paranóico soberbamente realizado de Tarik Saleh! As autoridades religiosas no Egito podem não gostar da implicação final deste filme de que o estado secular é marginalmente mais corrupto institucionalmente do que o establishment religioso. É um trabalho ousado. É cedo no Festival de Cinema de Cannes, então o prognóstico de prêmios pode parecer um pouco prematuro, mas ainda assim, é difícil imaginar que a performance fenomenal do ator sueco-libanês Fares Fares no thriller político de Tarik Saleh, Boy from Heaven, passará totalmente despercebida pelo júri deste ano. Embora talvez não seja tão enxuto e eficiente em sua narrativa quanto Nile Hilton, Boy From Heaven é uma história ambiciosamente complexa de espionagem religiosa. Onde o filme tropeça um pouco é no roteiro, que na maioria das vezes se entrelaça satisfatoriamente, mas ocasionalmente se enrola na exposição. Banido do Egito desde o “Nilo Hilton”, de 2017, o diretor pode muito bem não ter nada a perder ao implicar o governo egípcio em uma conspiração para preencher o cargo religioso mais alto do país com o candidato escolhido pelo presidente – o equivalente a sugerir a CIA americana meteu a mão no processo para decidir o último papa. O que estamos lidando aqui é um thriller político bastante convencional – pense em “House of Cards”, menos a estética elegante de David Fincher ou muito suspense – ambientado em um mundo que ninguém ousou explorar na tela até agora. "BROTHER AND SISTER"
Arnaud Desplechin volta a Cannes, depois de estrear por aqui ano passado, mas em exibição especial. Mas, na verdade, desde que estreou no festival em 1992, essa é a 9ª vez que o diretor chega com um filme em competição no festival. E, não bastasse ser uma figurinha conhecida, ele estreia com uma das rainhas de Cannes: Marion Cotillard.
"Brother and Sister" gira em torno de um irmão e uma irmã que estão chegando aos cinquenta anos - Alice é atriz, Louis era professor e poeta. Eles não se falam mais e se evitam há mais de vinte anos, mas a morte de seus pais faz com que eles tenham que se encontrar. O filme teve críticas mistas, que falam a respeito dos diálogos exagerados e da edição confusa. Mas, o ponto positivo em comum foi um só: Marion Cotillard. A atriz mais uma vez se destaca em seu trabalho e eleva o filme todo, sendo inclusive chamada de 'realeza de Hollywood'. Marion Cotillard e Melvil Poupaud estão no topo de seu trabalho como Alice e Louis, encontrando notas de graça requintadas em toda a auto-dramatização e ódio ferozes! Desplechin é um observador perspicaz da comédia humana, e aquele que cria zonas livres de julgamento para contemplar e abraçar até mesmo a mais insuportável auto-absorção. Isso certamente se aplica a Brother and Sister, que desenha seus dois personagens centrais, e vários de seus coadjuvantes, com uma intensidade envolvente. Começa promissor. O primeiro ato é rápido e fácil de acompanhar, mas imediatamente sai dos trilhos assim que o ato dois começa. O enredo pula de cena em cena sem indicação de onde está na linha do tempo. Agora, não sei se o estilo de corte duro resulta de más escolhas ou é uma marca registrada do cinema francês, mas por que esse filme de drama é editado como um filme de ação? Talvez eu esteja perdendo alguma coisa, mas não é um método que funcione para um filme como este. A mais recente da obra exagerada de Arnaud Desplechin apresenta muito entusiasmo cinematográfico, mas nenhuma linha de diálogo plausível. Uma coisa que é de verdade no filme é Cotillard, e a autenticidade que ela traz para o papel. Ela é considerada a realeza de Hollywood e, no entanto, sempre optará por elevar esses projetos independentes. Ela é uma das melhores atrizes desta geração que, a cada performance, sobe mais alto na lista. A mulher não é apenas uma estrela de cinema – Cotillard é o modelo para quem quer aprender a conciliar o poder de uma estrela de cinema com o talento. Atuar raramente é melhor do que o que este excelente elenco – com Marion Cotillard e Melvil Poupaud em seu coração – traz para um conto em camadas de crises emocionais compostas. Qualquer pessoa que já tenha feito parte de uma família provavelmente encontrará pelo menos um personagem para torcer. E saiba-se que os protagonistas centrais são personagens de livros didáticos – uma atriz e um escritor – de um livro didático muito divertido. Isso deve encontrar compradores onde quer que dramas inteligentes e sérios tingidos de humor sejam bem-vindos. ![]()
AUTOR DO POST
Danilo Teixeira
Editor do Termômetro Oscar | CETI
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