O segundo dia de Cannes já mostra a força que o festival deve ter. Pelo tapete vermelho passou duas estreias muito interessantes e bastante políticas. A primeira foi "Bacurau", dos brasileiros Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. A segunda foi "Les Misérables", de Ladj Ly, que faz uma releitura moderna do clássico de Victor Hugo. A Palma de Ouro pode ter encontrado opções interessantes. "Bacurau" "Bacurau" chega a Cannes com certa expectativa, principalmente após o sucesso que fez "Aquarius" quando passou pelo tapete vermelho três anos atrás. Ajuda também o fato de Kleber repetir a parceria com Sônia Braga e ainda acrescentar nomes de peso como Karine Teles, Silvero Pereira e Antonio Saboia. O longa se passa em um vilarejo isolado onde após a morte de Carmelita, nonagenária que é uma espécie de matriarca do local, os habitantes descobrem que o lugar sumiu dos mapas. É mais um problema que se soma ao desabastecimento e ao descaso do prefeito corrupto. As primeira críticas já avisam que esse filme se difere dos anteriores do diretor ("Som ao Redor" e "Aquarius") sendo muito mais alegórico. Mesmo assim, o longa é um western do cangaço, com uma população fortemente armada e com um governo mostrando descaso com a educação. Há quem diga que o Kleber foi extremamente pontual nas suas críticas ao governo de Bolsonaro. Aliás, sobre isso, o Screen foi claro e escreveu que o filme é "um comentário confrontador sobre o rumo que o país está tomando com o Bolsonaro na presidência". O The Guardian deu 4 estrelas em 5 e além de falar do tom político, elogiou a direção de Kleber: "Mendonça abandonou os tons mais calmos e mais humanistas de seus filmes anteriores para esse perturbador frenesim ultraviolento. Situado no extremo nordeste do sertão brasileiro, o filme domina muitos temas e influências, mas é principalmente um grito de desafio satírico contra o novo presidente Jair Bolsonaro, o representante da extrema direita que prometeu tornar o país mais aberto ao comércio exterior. Os créditos finais deste filme apontam que a produção criou 800 empregos (...) É um filme realmente estranho, começando em uma espécie de etno-antropologia e estilo documentário, tornando-se uma parábola de rebanho envenenado ou um sonho febril e depois um banho de sangue. É um filme completamente distinto, executado com clareza e força implacáveis". A Variety já foi um pouco mais rígida e começou a crítica de forma interessante: "com tantas alusões à cultura e política locais, “Bacurau” é aquele filme raro que provavelmente teria sido melhor se tivesse sido mais burro, ou pelo menos, menos ambicioso. Apesar de todas as suas habilidades como diretor, Mendonça ainda não dominou a tensão. Ele e Dornelles demonstram uma forte aptidão para a atmosfera e a composição, e ainda assim, seus personagens mal se esboçam, dependendo muito mais dos atores". O IndieWire também entregou uma crítica mista: "'Bacurau' é visualmente impressionante, evocando propositalmente a gramática visual luxuosa dos clássicos filmes dos anos 70 com suas fotos de lentes anamórficas vintage, telas de foco dividido e panos laterais entre as cenas. Apesar de bonito em estilo e admirável na ambição, fica a sensação de o filme nunca ser todo satisfatório". Kleber Mendonça Filho parece ter acertado a mão outra vez. Dessa vez Sônia Braga não se sobressaiu como foi com "Aquarius", então não é um nome muito cotado para o prêmio de atuação, mas "Bacurau" pode sim surpreender e sair entre os premiados de Cannes, principalmente talvez como roteiro. Mas, se formos falar de Oscar, analisando os últimos anos e a escolha que também é política, talvez "Bacurau" enfrente problemas para ser o selecionado para representar o Brasil. Assim como foi com "Aquarius". "Les Misérables" Paris é uma cidade avessa na Europa, repleta de características que a fazem incomum. Conjugar seus ricos bens culturais e o enorme fluxo de turistas com a chegada de imigrantes de todo o mundo e uma constante luta social, não é fácil. Para “Les Miserables”, o diretor Ladj Ly’s tem a missão de trazer um retrato da injustiça social, das alegrias e do desespero que espreitam as ruas da cidade. Tudo sob o olhar de Stéphane, um homem que se junta a Brigada Anti-Crime de Montfermeil. A partir de seus novos companheiros de equipe, Chris e Gwada, ele descobre as tensões entre os diferentes grupos do distrito. O Indiewire destacou o comprometimento de Ly em retratar este momento da França, pois o diretor acompanhou muitos deles da janela de sua casa. “Les Misérables vibra com um tipo de verossimilhança inabalável que só pode ser conquistada através da experiência em primeira mão. Contudo, ao mesmo tempo, não é como se o filme pudesse fingir ser um retrato sui generis da injustiça social. Ly não esconde o fato de que ele obviamente cresceu em La Haine, mas no roteiro que ele co-escreveu com Giordano Gederlini e Alexis Manenti busca evitar comparações inevitáveis com “Faça a Coisa Certa”, disse David Ehrlich. A escolha do título do filme, “Les Misérables”, é uma clara intenção de invocar a obra de Victor Hugo para dentro da produção. E ainda vai mais além, pois Ly tomou justamente o distrito de Montfermeil como cenário. Interessante é a sua vontade de apresentar o clássico livro para as novas gerações, garantindo a elas que o texto permanece tão atual e igualmente real. Guy Lodge, colunista da Variety, atribui esta qualidade ao trabalho de edição: “Ly e a editora Flora Volpelière fizeram um processo surpreendentemente tranquilo, mas ainda assim envolvente, nos levando para observar e absorver a intricada dinâmica de poder de propriedade”. No entanto, o Screendaily pontuou alguns pontos negativos presentes na produção, mesmo que não a comprometa. “O coração humanista de Ly muitas vezes é duro, embora seu retrato de uma comunidade seja um tanto enfraquecido pela ênfase na experiência de Stéphane. O drama também pode ser também exaustivamente masculino, tendendo a marginalizar mulheres, que aparecem em grande parte como adolescentes ou como matriarcas longânimes [...]. Um pouco menos de seriedade é bom às vezes sério, porque para todos os gracejos havia uma escassez acentuada de humor e leveza.”, declarou Jonathan Romney. A crítica destaca positivamente o trabalho de fotografia de Julien Poupard e as interpretações carismáticas dos atores coadjuvantes. A França é hoje em dia um país em ebulição (e quando deixou de ser?), as cenas políticas e sociais estampam as capas de jornais e os vídeos estão em todo o lugar. “Les Miserables” colabora com este momento, soando muito provocativo por parte de Ladj Ly’s. “Podemos estar mais de dois séculos após a história de Victor Hugo, mas para Ly a revolução é quase tão próxima.”, finaliza Jordan Mintzer, do The Hollywood Reporter. FOTOS DIA 2 Juliana Leão e Danilo Teixeira - equipe CETI!
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